Dois Contra o Texas

Texas Across The River

de Michael Gordon

com Alain Delon, Dean Martin, Rosemary Forsyth, Joey Bishop, Tina Aumont, Peter Graves

Estado Unidos da América

, 1966

, 101 min

, Legendas em Português


Alain Delon podia ter começado por Hollywood caso a atenção do agente que o indicou a David O. Selznick, em 1957, tivesse sido consequente. A sua fase hollyoodiana, que não foi distintiva, aconteceu a meio dos anos 1960, com uma produção britânica para a MGM (THE YELLOW ROLLS-ROYCE) e outros filmes dos estúdios, entre os quais TEXAS ACROSS THE RIVER, uma das suas incursões de género no western. No caso, uma comédia western em Techniscope que prima pela incorreção política e alguma ironia. Contracenando com Dean Martin, Delon interpreta o papel de um cowboy cuja cerimónia de núpcias no Luisiana é interrompida pela chegada da Cavalaria. “A-roar: haarrh!” Primeira apresentação na Cinemateca.

Fonte: Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema

RETROSPETIVA ALAIN DELON

Foi a grande estrela masculina europeia dos anos 1960, um símbolo do cinema francês, uma extraordinária presença, um ator extraordinariamente disponível para ser filmado, que foi somando a beleza felina ao magnetismo, ao instinto, à insolência, à ambivalência, à intensidade, à insondabilidade como qualidades de representação. Diante das câmaras solar e lunar, Alain Delon (1935-2024) soube trabalhar a exceção e o privilégio dos encontros com grandes cineastas, sobretudo em França e Itália – René Clément, Jean-Pierre Melville, Luchino Visconti, Michelangelo Antonioni, Valerio Zurlini, Joseph Losey, Jean-Luc Godard entre os mais decisivos.

Soube também organizar as condições de outros tantos encontros, assumindo cedo e com consistência o duplo papel de ator-produtor, ciente de querer escolher projetos e cúmplices – ainda dos realizadores, Alain Cavalier, Christian Jacque, Jacques Deray, Guy Gilles, Julien Duvivier, Henri Verneuil, José Giovanni ou Bertrand Blier. Falhou um verdadeiro capítulo em Hollywood, mas andou por lá e foi dirigido por Jack Cardiff ou Mark Robson. Reconhecido à escala do planeta, conheceu um êxito fulgurante no Japão. Realizou dois filmes nos anos 1980, anunciou a despedida do cinema no final da década seguinte, o que quase concretizou, passando a dedicar-se a telefilmes e séries.

Viu-se nele um símbolo sexual, um objeto de desejo. Foi uma criatura de cinema. Construiu uma filmografia de seis décadas e uns oitenta filmes, mais policiais do que românticos, e dramas-melodramas, com incursões esparsas na comédia e no western, personagens cadentes a esgrimirem questões de identidade (são dúplices vez após vez e morrem vez após a vez), papéis em que apurou uma rara dualidade incendiária e contida (com o olhar, os gestos, os silêncios), obras-primas, filmes do imaginário popular dos espectadores de cinema do século XX, lastro noutros corpos celestes.

A vida privada foi turbulenta, não isenta de escândalos ou da infâmia de algumas posições públicas. Na magoada infância, como na vida rebelde da adolescência de Alain Delon, o cinema não era um destino provável. Encontrou-o depois do regresso da Indochina, para onde muito novo embarcou marinheiro, quando Yves Allégret lhe ofereceu o papel de jovem sedutor assassino sob contrato em QUAND LA FEMME S’EN MÊLE (1957), em que se fez notar. Afirmou mais tarde ter seguido o conselho do seu primeiro realizador, ser naturalista no modo de falar, ouvir, olhar – “Não representes, vive. Isso mudou tudo. Se Yves Allégret não mo tivesse dito assim, eu não teria tido esta carreira.” (Vanity Fair, 2017)

O que se seguiu não tardou a atingir um primeiro altíssimo momento em PLEIN SOLEIL, com o impenetrável Ripley de fogo e gelo que levou Visconti a olhar para ele (ROCCO E I SUOI FRATELLI, IL GATTOPARDO), Antonioni a desafiá-lo (L’ECLISSE), antes de Melville lhe achar toda a graça (LE SAMOURAÏ, LE CERCLE ROUGE, UN FLIC). O “ciclo italiano” de Delon conta com outra obra maior, de Zurlini (LA PRIMA NOTTE DI QUIETE), e dos cumes participam ainda um dos dois títulos com Losey (MR. KLEIN) e a ligação tardia com Godard, que o pôs num filme de mar e vagas com título do movimento do qual ele nunca foi imagem (NOUVELLE VAGUE). Dos grandes êxitos populares, a marca inevitável é LA PISCINE, e depois BORSALINO (de Jacques Deray, o seu mais regular realizador), mais tarde NOTRE HISTOIRE de Bertrand Blier (César de Melhor ator em 1985) e o filme da última aparição, ASTÉRIX AUX JEUX OLYMPIQUES (Frédéric Forestier, Thomas Langmann, 2006).

Como mestres reconhecia Clément, Visconti, Melville, e também Jean Gabin, com quem contracenou em três filmes de Henri Verneuil. Entre os pares, o amigo Jean-Claude Brialy, Claudia Cardinale e Burt Lancaster, Romy Schneider, atriz dileta, o rival Jean-Paul Belmondo. Visconti distinguiu o que reconhecia único, “O Alain tem qualquer coisa só dele, além do encanto fulgurante. Qualquer coisa da ordem da melancolia”. David Thomson descreveu-o como “o anjo enigmático do cinema francês, com apenas 32 anos em 1967 [o ano do SAMOURAÏ], e quase feminino. Ainda assim, tão circunspecto e imaculado que pode ser considerado letal ou potente.” Louis Skorecki escreveu certa vez (Libération, outubro de 1997): “Outrora lindamente dirigido por Visconti (a coisa começa a saber-se), Antonioni (uma coisa que se esquece), Melville (beleza do esperanto SAMOURAÏ, génio de UN FLIC, filme-testamento medievalo-gangster) e sobretudo Zurlini (génio esquecido do cinema italiano), assinou dois bons filmes comerciais ‘delonianos’, POUR LA PEAU D’UN FLIC e LE BATTANT.” Foi o americano Forest Whitaker quem falou da “virtude do silêncio” aprendida a ver Delon como Jef Costello para GHOST DOG de Jim Jarmusch. Numa roda de imprensa do século XXI, Alain Delon afirmou propósito do seu epitáfio que concordaria em ver-se refletido como “o samurai do cinema”.

O programa está pormenorizado nas notas seguintes, que esmiúçam filmes e contextos. É a retrospetiva portuguesa em 2025 de Alain Delon, que teve a primeira de todas na Cinemateca Francesa de Henri Langlois em 1964, aos 29 anos, no auge da juventude cinematográfica. Era raro.

Fonte: Cinemateca Portuguesa – Museu do Cinema